Numa qualquer outra ocasião, esta ousadia capilar seria rapidamente corrigida por um gesto de recolhimento da madeixa, um resguardar-se da espontaneidade, uma negação do corpo que não se sente corpo. Contudo, por ora ela adia esse gesto que sabe inevitável e permite que as ondas do cabelo rocem o seu ombro, deslizem pelo decote discreto e lhe cubram as formas mal definidas pela largura da camisola que se pretende, mesmo sem o querer, ocultante.
Luísa é na sua totalidade, camuflagem, largura de roupa, um entediante e vicioso jogar às escondidas.
O tempo passa (ou é Luísa que passa, sem se ver?). O rosto inalterado, apenas a madeixa que esconde mais e mais. E um pouco mais ainda. Sente-se pequena e um ponto final num livro enciclopédico. Uma vírgula na leitura de criança que não sabe o que é a pontuação, nem para que serve. A espera, essa, enorme (num momento cabem anos de pensamento, o relógio parado).
Luísa volta a deslizar lentamente o olhar, agora um pouco mais translúcido, como que adivinhando o que pretende confirmar, para a sua direita, na direcção da já constatada janela. Vê agora que afinal é um espelho - ela, a janela transparente, mas oculta.
Atrás de si, uma porta que se abre. O cabelo todo à sua frente.
"Hidden Window", Hantta (2005)